sexta-feira, 28 de novembro de 2008

Há 95 milhões de anos, na região de Carenque

Há 95 milhões de anos, na região de Carenque

via Sopas de Pedra de A. M. Galopim de Carvalho em 24/11/08
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HÁ CERCA DE 95 MILHÕES DE ANOS, no Cretácico, esta região e, como ela, parte da actual Estremadura, era baixa, ribeirinha, plana e alagadiça, numa transição do meio continental para o marinho. O clima era quente e húmido e a vegetação abundante. O oceano Atlântico não tinha ainda, na sua progressão de abertura para norte, separado suficientemente os continentes norte-americano e euro-asiático, havendo, sim, no que é hoje a orla ocidental de Portugal, uma penetração do mar limitado, a Oeste, por terras actualmente do lado de lá do Atlântico, na Terra Nova e no Labrador, e a Leste, pelo bordo ocidental da Ibéria. É nesta espécie de estreito e extenso golfo que se passa grande parte da história geológica desta orla onde, 15 milhões de anos mais tarde, começou a formar-se a Serra de Sintra.
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Ao deslocarem-se nas margens dos rios, lagos ou lagunas litorais, os animais deixaram impressas as suas pegadas no chão húmido, ou mesmo na vasa do fundo de zonas pantanosas. Esses sedimentos, ao secarem, e sempre que o acaso permitiu a sua cobertura por novos depósitos, ficaram protegidos e, com eles, as pegadas. A evolução geológica da região conduziu a que estas ficassem sob grande espessura de sedimentos marinhos, testemunhos da invasão pelo mar durante mais alguns milhões de anos, sedimentos que se transformaram em calcário ao longo do tempo, através de processos lentos e complexos que nos permitem reconstituir essa evolução. As pegadas de Carenque foram deixadas sobre terrenos planos, horizontais e sub-horizontais e, se hoje as encontramos numa superfície inclinada é, tão-só e apenas, porque esses terrenos foram deslocados da sua posição inicial, aquando da elevação do maciço de Sintra. Estas marcas, postas a descoberto pelo trabalho de lavra da pedreira, têm o valor de fósseis com o maior interesse na pesquisa da referida história geológica, informando-nos ainda sobre o paleoambiente preferido pelos animais que as deixaram. É esta a história do nosso velho passado que se pode ler e contar na importante jazida de Pego Longo. Foi este capítulo da caminhada do "planeta azul" que esteve prestes a perder-se em nome do "progresso" e que, os media, a opinião pública e o bom senso acabaram por salvar. Falta, no entanto, colocar este património ao serviço do ensino, da cultura e, também, certamente, do turismo.
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O projecto do "Museu e Centro de Interpretação de Pego Longo" (Carenque), da autoria do Arquitecto Mário Moutinho, apresentado à Câmara Municipal de Sintra em 1997, aprovado por esta Autarquia em 2001, e ali esquecido, há já sete anos, numa qualquer gaveta, caracteriza-se por um conjunto de equipamentos do maior interesse.
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O pegarium é uma estrutura leve, transparente, de metal e vidro, cobrindo as pegadas a fim de as resguardar das intempéries.
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O edifício principal dispõe de um auditório, de salas de exposições temporárias e de outras dependências adequadas a este tipo de equipamentos.
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O poço, escavado na rocha, sob o edifício principal, é uma escadaria em espiral que permitirá a observação directa dos aspectos litológicos, paleontológicos e estruturais do substrato local. Ao descê-lo, o visitante vai observando camadas sedimentares sucessivamente mais antigas, ou seja, vai recuando no tempo até à época dos dinossáurios que aqui viveram.
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O jardim dos minerais e rochas é um espaço ao ar livre destinado a mostrar as rochas e os minerais da região, com relevo especial dado à Serra de Sintra, e explicar a evolução geológica desta parcela do território.
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O jardim do Cretácico constituirá um mostruário das espécies botânicas vindas desse tempo, complementado com réplicas de dinossáurios e de outros animais seus contemporâneos.
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Numa época em que o turismo de natureza cresce significativamente por todo o mundo, o potencial desta jazida, como pólo de atracção para este tipo de actividade económica, é grande e é maior, ainda, se tivermos em conta a sua situação privilegiada às portas de Lisboa, numa região tão procurada como é a do grande concelho de Sintra, representando para Portugal uma significativa mais valia. Assim o demonstram outros equipamentos congéneres existentes em países que já despertaram para o significado do património natural, num mundo tornado pequeno pelos progressos ao nível dos transportes e das comunicações.

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«Jornal de Sintra», de 14 de Novembro de 2008
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NOTA: O autor também é 'contribuidor' do blogue Sorumbático

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