«Estou a ler com muito interesse o seu livro "A Vertigem da Descolonização" em cujo lançamento não pude, com pena, estar presente.
Vou praticamente a meio da leitura que estou fazendo, pausadamente, com atenção. Mas não quero deixar passar mais tempo sem lhe dar conta de reparos que merece o Cap. 7 que me diz respeito, reparos que historicamente se me afiguram de interesse.
Cheguei a Luanda a 15 de Junho de 1974 sem relações com o MFA. Os contactos que me haviam levado a Angola haviam sido com o Gen. Spínola e o Dr. Almeida Santos, por iniciativa, não minha, mas de ambos. Não conhecia os raros oficiais do MFA com que me encontrei em Angola.
Na convocação que fiz do primeiro Conselho Provincial de Defesa fui perguntado pelo seu secretário, o hoje general Igrejas, quem devia estar presente. Disse-lhe que o Comandante-Chefe e os Generais dos Ramos que o constituíam, e apenas mais os Cmtes. da PSPA e da OPVDCA , pois desejava ouvi-los. Fiquei surpreendido quando, chegado à Fortaleza, o Comandante-Chefe me informou estarem já instalados na sala do Conselho seis oficiais representantes do MFA, dois por cada um dos Ramos. Nada me ter sido falado e pedido, o facto consumado, contrariando a indicação do Presidente do Conselho, representou evidente deslealdade para com o mesmo.
Não pude deixar de verberar a situação criada em termos que me pareceram adequados, entre militares. Parece que os representantes do MFA não tiveram consciência do agravo que haviam provocado mas ativeram daquele que mereceram.
O Dr. Savimbi declarou suspender as hostilidades na altura da minha chegada a Luanda. Passado tempo recebi do Dr. Almeida Santos a informação de que um oficial se deslocaria a Angola para contactar o Dr. Savimbi. Pedi-lhe que o oficial passasse pelo meu Gabinete pois desejava que um dos meus Secretários-Adjuntos o acompanhasse para lhe apresentar um convite meu. Queria que o Dr. Savimbi se fizesse representar no meu Governo com um Secretário-Adjunto e estava tentando, através o Arcebispo de Luanda, convencer o hoje Cardeal Nascimento, que eu tinha como simpatizante e influente no MFA, a aceitar outro lugar de Secretário-Adjunto (o governo de Angola esteve , creio que por mais de uma vez, entregue a altas figuras da Igreja). O oficial enviado de Lisboa, então Maj.(?) Charais que eu conhecia por ter despachado comigo, algumas vezes, no EME, compareceu certo dia no meu Gabinete onde nos encontrámos ambos com o meu Secretário-Adjunto, Dr Pinheiro da Silva. Conversámos sobre a sua missão e ficou combinado que o Dr. Pinheiro da Silva o acompanharia no encontro com o Dr. Savimbi para lhe fazer o convite em que eu estava interessado. O Major despediu-se e nunca mais, nem o Dr. Pinheiro da Silva nem eu, soubemos dele. Ninguém teve a atenção de uma palavra ao Governador. Novo facto consumado, nova deslealdade.
Mais tarde, uma reunião do MFA resolveu atribuir as culpas do que vinha acontecendo desde o 25 de Abril esse tornara mais grave com a crise Palma Carlos, o exemplo da desordem no Portugal europeu e, sobretudo, a soltura de presos de delito comum e o encerramento do Posto de S. Nicolau, ao novo Governador. E sem uma palavra a o Governador que somente teve conhecimento da reunião em Lisboa, o próprio Comandante-Chefe, com quem o Governador comunicava praticamente todos os dias, escreveu para Lisboa num sentido semelhante, sem qualquer explicação prévia ao camarada .
Pode o Senhor ter a opinião que entender a meu respeito, mas referir uma conflitualidade "entre o novo Governador" e o o MFA local não me parece correcto. Que fiz eu para tal conflitualidade? "Entre" ou "do" MFA (e não só) para o novo Governador?
Há lapso sério quando conta que na 2.ª quinzena de Junho se dão fugas e solturas de reclusos. Não houve qualquer intervenção do meu Governo em tais ocorrências que se devem ter processado antes da minha chegada, como aconteceu com o encerramento do Posto de S. Nicolau onde, a partir do Gen. Deslandes, se fixava residência a prisioneiros entregues pelas Forças Armadas à Polícia Internacional e a revolucionários detidos pela mesma Polícia. Como há lapso ao deixar a dúvida se o motim de reclusos teve lugar na referida 2ª quinzena de Junho. É a primeira vez que tomo conhecimento de ter havido tal motim. Há também lapso quando se inclui o assassinato do enfermeiro Benge no meu tempo. Os jornais de Lisboa anunciaram-no alguns dias antes da minha ida para Luanda.
Ao referir a sua opinião sobre a acção da PSPA, teria sido natural e correcto chamar a atenção para o facto dela ter passado, após visita, tempos atrás, do Gen. Costa Gomes a Luanda, a depender do Comando-Chefe e não do Governo-Geral, como seria normal, circunstância a que não fora dado conhecimento a este. E não seria pedir-lhe demais que acrescentasse que o Governo-Geral não só ficara praticamente sem meios para accionar a ordem pública, como sem informações atempadas sobre a sua evolução...
Tenho dúvidas se a minha nomeação foi "outro equívoco", como o Senhor, com certa deselegância opina, ou se em Angola o grande e criminoso equívoco não foi a subordinação acobardada de militares sérios e competentes a uma rapaziada de formação comunista, ou ansiosa de se branquear de tropelias feitas, que acabou por ajudar a trazer a subversão a Luanda e a outras cidades e a dar origem à tragédia reconhecida pelo ideólogo do MFA.»
A Rua dos Cataventos
Há 7 anos
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