quinta-feira, 3 de julho de 2008

A Viagem (IV)

via Carreira da Índia de Leonel Vicente em 03/07/08

Finalmente, a 3 de Agosto, partem de Cabo Verde. Duas semanas depois - a 18 -, surge um pequeno contratempo: parte-se a verga da nau do capitão-mor. Resolvido o problema ao fim de dois dias, retomam a navegação. Sucedem-se os dias monótonos, sem crónica, da navegação para sul. A acreditar em Damião de Góis, teriam sofrido algumas «tormentas e tempos contrários». Até que, a 4 de Novembro, Vasco da Gama chega à vista da baía de Santa Helena. Tendo partido de Santiago, em Cabo Verde, a 3 de Agosto, tinham decorrido 90 dias, na longa volta pelo oceano sudocidental, à procura dos ventos alísios meridionais. Tinham sido três meses de alto-mar, tendo apenas o céu como limite do horizonte… Podem-se aqui utilizar os dizeres de Camões: «Não vimos mais, enfim, que mar e céu.»

[…]

Comenta então Gago Coutinho, e as suas palavras ainda hoje, passados tantos anos, merecem ser ponderadas com atenção: «[Os barcos de Vasco da Gama, partindo das] ilhas de Cabo Verde, por ser em Agosto, época de monção de Sul, foram tomar barlavento a sueste, ao mar da Serra Leoa. Daqui meteram na <volta do mar>, indo cortar o equador pouco a nascente do Penedo de São Pedro, do qual só tiveram notícia vaga pelas <aves feitas como garções> que, à tarde, talvez para lá voassem. Seguindo na bordada de sudoeste, que o vento geral de sueste lhes permitia, foi atingida a latitude do cabo de Santo Agostinho. Assim conseguiram passar ao largo da costa brasileira, sem sequer dela ter havido sinais. Se Vasco da Gama tivesse rumado logo de Santiago para sul - como o vento ali lhe permitia, e como Cabral fez em 1500, mas em Março - Gama, depois de navegar assim uma centena de léguas, teria encontrado vento sul da monção. Já não poderia mais rumar a sul, e teria metido para sudoeste na <volta do mar>. Assim as suas naus teriam ido esbarrar na costa norte do Brasil, e a viagem para a Índia estaria comprometida, por se lhe tornar impossível, contra os ventos e correntes para oeste, que ali dominam, conseguir dobrar o conhecido cabo de São Roque.

»[Assim], este interessante detalhe da rota de Vasco da Gama […] prova materialmente que em 1497 já os pilotos dispunham de informações claras sobre os ventos e terras do quadrante sul-ocidental do Atlântico. Essas terras, previstas em 1494 no Tratado de Tordesilhas, já estavam pois localizadas, porque só assim se compreende que Vasco da Gama tivesse adoptdo uma rota indirecta em dupla bordada, que é a mesma praticada pelos veleiros modernos quando pretendem montar o Cabo de São Roque.»

"Vasco da Gama - O Homem, A Viagem, A Época", Luís Adão da Fonseca, Edição do Comissariado da Exposição Mundial de Lisboa de 1998 e da Comissão de Coordenação da Região do Alentejo, 1997, pp. 122, 123 e 126

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